Esperava meu ônibus para vir para o trabalho e já tinha reparado, uns 200m à frente, no táxi estacionado com as quatro rodas em cima da calçada e as duas portas abertas. Lá atrás vinha uma família — uma garotinha com uniforme de escola pública (aquela blusinha larrranja) , o pai, aparentemente bem jovem, e a mãe, dona de uma avantajada barriga que denotava algo em torno dos seis meses de gestação.
Pelas roupas, pela cor da pele e pelo lado de onde vinham — as bandas da Boca do Mato de Tia Zulmira, onde o garoto Stanislaw bateu muita pelada na época em que ainda havia por ali vários terrenos baldios — qualquer pessoa de mente obtusa concluiria imediatamente: pretos, pobres e favelados.
Pois a vida surpreende, amigos.
Como as portas do carro permaneciam escancaradas e o trio precisaria descer o meio-fio para seguir seu caminho, o rapaz apertou o passo e fechou a porta do táxi para liberar a calçada para a mulher e a filha passarem. Delicadamente. Na boa; nem chegou a fechar completamente a porta, só abriu caminho. Faria o mesmo até sem mulher grávida e filha, porque acho isso um abuso — a calçada é do pedestre e pronto!
Não é que o motorista encrencou?! A família já tinha dado mais alguns passos quando a moça grávida vira para trás, provavelmente porque ouviu algum desaforo que, àquela distância, ficou abafado aos meus ouvidos, para ponderar:
— E você acha mesmo que está certo ficar impedindo a passagem na calçada?!
Eis que ouço, do toca-discos que fica encravado na minha mente, aquele clássico 'tã-tantan-tanta-tantantan-tã' que antecede, invariavelmente, uma performance circense. Não deu outra. Como diriam as meninas de um blog vizinho, tomem seus assentos e segurem a pipoca, que o show vai começar no picadeiro!
O cara mete a mão para o lado de fora do carro, tipo "vaza, vaza", enxotando os três. O pai da família apenas faz sinal negativo, de pura desaprovação, e nem dá bola pro palhaço taxista. Ponto pra ele. Um minuto depois, desce do carro em questão uma moça igualmente grávida, embora com a barriga bem menos protuberante, e o tal palhaço de plantão. Da minha 'cadeira', nem tão longe do centro do picadeiro, faço uma cara de repulsa e balanço a cabeça, em mais um sinal de desaprovação.
Tanto o palhaço sabia que eu sabia que ele sabia que ele tava errado na parada, que atravessou a rua comentando o assunto com a barriguda. Meio 'sem querer querendo', continuei olhando para a cara dele, que olhou em volta, talvez para verificar se tinha alguém para apaludir o número. Deu de cara comigo, que caprichei ainda mais na lamentação pela dagradação do ser humano, personificado em quem, quem, quem? O palhaço taxista, claro.
Meu ônibus chega, faço sinal. Do outro lado da rua o palhaço chama a atenção da barriguda que lamentavelmente o acompanha; ela me olha. Sacudo a cabeça de novo. Não perderia essa oportunidade, jamais! De dentro do coletivo, vejo os dois pararem do outro lado da rua. Ele percebe que eu olhava e levanta o dedo. Aí, pra matar o cara de raiva, morro de rir. O motorista pensa que sou doida, mas vê o cara fazendo sinal feio e pergunta o que houve:
— Nada não, moço, só mais um palhaço no mundo que pensa que tá certo, mas tem certeza de que está errado e apela pra ignorância.
O motorista ri. O palhaço taxista vê. Claro, fica mais puto. E aí... que rufem os tambores... mostra o saco bem no meio da rua. Não me contive, bati palmas para o show, gargalhei da performance do palhaço (não é mesmo para isso que eles servem, nos divertir?) acompanhada pelo motorista (nada corporativista; afinal, motorista e homem, deve ter seus momentos de palhaço). Para ele ficar puto o resto do dia, faço um sinal de pequenininho pra ele.
Grand finale!
****
Motorizado, arrumadinho e com uma mulher barriguda do lado (aliás, como é que ainda tem mulher que se presta a um papel de dividir a vida com caras toscos e descontrolados feito o palhaço do número desta manhã?!), muitas palmas pra família de preto, pobre e favelado! Dignidade e educação estão acima de posses, condições sociais e talvez, até mesmo, de oportunidade (leia-se estudo e emprego) que a vida nos dá. Isso é ser gente.
Pelas roupas, pela cor da pele e pelo lado de onde vinham — as bandas da Boca do Mato de Tia Zulmira, onde o garoto Stanislaw bateu muita pelada na época em que ainda havia por ali vários terrenos baldios — qualquer pessoa de mente obtusa concluiria imediatamente: pretos, pobres e favelados.
Pois a vida surpreende, amigos.
Como as portas do carro permaneciam escancaradas e o trio precisaria descer o meio-fio para seguir seu caminho, o rapaz apertou o passo e fechou a porta do táxi para liberar a calçada para a mulher e a filha passarem. Delicadamente. Na boa; nem chegou a fechar completamente a porta, só abriu caminho. Faria o mesmo até sem mulher grávida e filha, porque acho isso um abuso — a calçada é do pedestre e pronto!
Não é que o motorista encrencou?! A família já tinha dado mais alguns passos quando a moça grávida vira para trás, provavelmente porque ouviu algum desaforo que, àquela distância, ficou abafado aos meus ouvidos, para ponderar:
— E você acha mesmo que está certo ficar impedindo a passagem na calçada?!
Eis que ouço, do toca-discos que fica encravado na minha mente, aquele clássico 'tã-tantan-tanta-tantantan-tã' que antecede, invariavelmente, uma performance circense. Não deu outra. Como diriam as meninas de um blog vizinho, tomem seus assentos e segurem a pipoca, que o show vai começar no picadeiro!
O cara mete a mão para o lado de fora do carro, tipo "vaza, vaza", enxotando os três. O pai da família apenas faz sinal negativo, de pura desaprovação, e nem dá bola pro palhaço taxista. Ponto pra ele. Um minuto depois, desce do carro em questão uma moça igualmente grávida, embora com a barriga bem menos protuberante, e o tal palhaço de plantão. Da minha 'cadeira', nem tão longe do centro do picadeiro, faço uma cara de repulsa e balanço a cabeça, em mais um sinal de desaprovação.
Tanto o palhaço sabia que eu sabia que ele sabia que ele tava errado na parada, que atravessou a rua comentando o assunto com a barriguda. Meio 'sem querer querendo', continuei olhando para a cara dele, que olhou em volta, talvez para verificar se tinha alguém para apaludir o número. Deu de cara comigo, que caprichei ainda mais na lamentação pela dagradação do ser humano, personificado em quem, quem, quem? O palhaço taxista, claro.
Meu ônibus chega, faço sinal. Do outro lado da rua o palhaço chama a atenção da barriguda que lamentavelmente o acompanha; ela me olha. Sacudo a cabeça de novo. Não perderia essa oportunidade, jamais! De dentro do coletivo, vejo os dois pararem do outro lado da rua. Ele percebe que eu olhava e levanta o dedo. Aí, pra matar o cara de raiva, morro de rir. O motorista pensa que sou doida, mas vê o cara fazendo sinal feio e pergunta o que houve:
— Nada não, moço, só mais um palhaço no mundo que pensa que tá certo, mas tem certeza de que está errado e apela pra ignorância.
O motorista ri. O palhaço taxista vê. Claro, fica mais puto. E aí... que rufem os tambores... mostra o saco bem no meio da rua. Não me contive, bati palmas para o show, gargalhei da performance do palhaço (não é mesmo para isso que eles servem, nos divertir?) acompanhada pelo motorista (nada corporativista; afinal, motorista e homem, deve ter seus momentos de palhaço). Para ele ficar puto o resto do dia, faço um sinal de pequenininho pra ele.
Grand finale!
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Motorizado, arrumadinho e com uma mulher barriguda do lado (aliás, como é que ainda tem mulher que se presta a um papel de dividir a vida com caras toscos e descontrolados feito o palhaço do número desta manhã?!), muitas palmas pra família de preto, pobre e favelado! Dignidade e educação estão acima de posses, condições sociais e talvez, até mesmo, de oportunidade (leia-se estudo e emprego) que a vida nos dá. Isso é ser gente.
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