Pegue uma caixa fechadinha de bombons Nestlé, essa azulzinha daí. Dá uma bela sacolejada na bicha. Parabéns, você acaba de chegar bem perto do que eu chamo de Bombonera Experience. Sim, eu tive uma para mim. Desde que pensei pela primeira vez em ir a Buenos Aires, assistir a um jogo do Boca Juniors em La Bombonera virou condição sine qua non. Qualquer jogo contra tava bom. Por isso, sempre que se falava que a viagem sairia, a primeira providência, antes de procurar passagem aérea até, era espiar o calendário dos torneios Clausura e Apertura. Mal sabia eu que todos los partidos en la cancha eram pura apertura!
Fechamos a viagem na raça. Gastei milhas acumuladas, pesquisei um hotel bem localizado para batermos perna, pedi orientações de alguns amigos que já tinham ido à capital argentina e vambuera! Foi mais ou menos assim. A sorte grande eu tirei quando vi o calendário do torneo de fútbol: era o fim de semana de derby.
Assistir a um Boca x River era mais do que eu sonhara, era mais do que eu pedira um dia. Era realidade. Uma realidade que custava, megaoficialmente, US$ 500 por cabeça, a tal da Boca Experience que se vende no site do clube portenho, com tour no museu, transfer para o estádio e bilhetes para a partida. Dava R$ 1.750,00 para realizar um sonho. Tá certo que sonho não tem preço, mas isso já era um pouco demais, né não? Pergunta daqui, indaga dali, vamos na cara e na coragem que dá para encontrar algo mais em conta. Ficou caro, é claro, mas nada comparável ao valor inicial. Fechamos pacote com uma agência na Florida. Francisco, o sujeito que nos vendeu, é noivo de uma brasileira. Tudo em casa. Com transfer, bilhete e uma camisa, além da promessa de nos transformar em um verdadeiro incha por um dia.
Meu dia de xeneize começou de véspera, com um passeio pela Bombonera adormecida. É um estádio comparável a São Januário, em vários sentidos. Mas tem um museu. Acho, inclusive, que muita coisa que vi no Museu do Futebol, no Pacaembu, em abril, foi copiado de lá. Coincidências demais me deixam desconfiadíssima. Sempre. Mas é bom deixar claro também que fomos a la cancha depois de um almoço regado a empanadas, tango e vinho. Cheguei lá bem zonza. A outra grande coincidência é que a data de fundação do estádio é a mesma do nome da rua do hotel onde ficamos: 25 de mayo (leiam bentecénco de májo, porfa!). Enfim, como todo museu, a lojinha mete a mão nos produtos oficiais e, por isso, saímos de lá com pequenas bugigangas tipo chaveiros, ímã de geladeira e... só isso. A camisa do Boca viria no day after, o Dia D, em que eu conheceria La Bombonera mais que oficialmente. Pelo menos era o que eu achava...
Chegamos no local e hora marcados e logo nos apresentamos a Chonatan (Jonathan), o nosso guia que, descobrimos rapidamente, era um brasileiro fanfarrão que se dizia portenho por escolha. Fazer o quê, né. Como os bons se atraem, logo encontramos rubro-negros no grupo, que nem era tão grande assim. O ônibus, infelizmente, não fizemos foto. Parecia ter saído de um filme noir. Apelidamos prontamente de bonde do Boca sem freio. E lá fomos ouvindo o blablablá de Chonatan em português, castelhano e inglês. Muita historinha para reproduzir aqui. O imprescindível é vocês saberem que antes de descermos do ônibus ele mandou um "Fiquem comigo, sigam-me, eu amo vocês!".
Seguimos ordenadamente pela Brandsen. Não só o grupo, mas TODOS ordenadamente. Um incha ou outro começava a cantar, entendíamos pouca coisa, Chonatan não tinha paciência de ensinar. Seguimos pela Bandsen, passando por dois portões de contenção policial, se é que podemos chamar assim, onde bastava mostrar o bilhete para ter passagem livre. Só na entrada do estádio tinha a revista. É um pente fino. Você não vê ninguém de bolsa, mochila ou afins. Ninguém. Quem fuma tem que esconder o isqueiro dentro do tênis, ou fica sem. Eles prendem qualquer objeto arremessável. E mulheres também são apalpadas. Por policiais femininas, obviamente. Subimos para descobrir que nosso ingresso dava acesso ao segundo nível da arquibancada. Bem embaixo da torcida do River e de frente para La Doze, a tal que faz o espetáculo. Foi aí que descobrimos que da Bombonera para dentro as propriedades fundamentais da matéria, segundo a física, são simplesmente ignoradas.
O Estadio Alberto J. Armando tem capacidade para 49 mil espectadores. Sua inauguração foi em 1940, em um amistoso com o San Lorenzo, clube que revelaria décadas depois, um ídolo rubro-negro, Doval - cuja camisa autografada tivemos o prazer de encontrar por um completo acaso, dentro de uma loja perdida nas cercanias da Florida, a avenida das compras em Buenos Aires. Sem mais divagações, o fato é que no último dia 15 de mayo havia bem, mas bem mais que 49 mil pessoas espremidas dentro daquele caixote de bombons. E como se não bastasse estar botando gente pelo ladrón, a gente en la cancha desconhece, oficialmente, a existência daquela teoria básica que resultou nas três leis de Newton: Dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo. Para os xineizes, uma balela.
Nosso querido guia Chonatan chegou lá no topo da arquiba, escolheu uma fresta ao lado de uma pilastra e balançou a mão em sinal para que o seguíssemos. Por onde? Pelo meio da multidão que já ocupava boa parte das escadinhas abaho. E quando eu falo em multidão, eu quero dizer multidão MESMO. Pense no Cordão da Bola Preta no sábado de Carnaval, por volta das 11h30 da manhã, na Cinelândia. Multiplica por três. É pior. E o sujeito embicou naquela fresta que ele mesmo criou e sumiu lá para baixo. Tentamos ir atrás. Juro que tentamos. Mas não consegui descer mais do que dois degraus. Paramos ali do lado da pilastra mesmo. Não dava para ver La Doze, mas, atrás do gol, víamos o campo inteirinho. E atrás de nós tinha só mais uma fila de pessoas.
Em cinco minutos eles se multiplicam. Parecem gremlins. Alguns, alimentados após a meia-noite, porque mesmo sendo impossível, eles forçam a entrada. O negócio é ir abaho. Que saco. Fui imprensada entre a pilastra e uma outra garota que estava de pé do meu lado. Pensei que ia morrer ali mesmo. Quando o ar faltou de verdade, pedi penico. O Márcio já estava todo torto atrás de mim, sofrendo também com o pai e duas crianças que se acotovelavam naquele espaço mínimo. Saímos. Foi um novo parto. E aí foi mais uma ducha de realidade...
Decidimos comer. Fomos de chori y coca. Ver a situação nada higiênica da lanchonete foi de dar dó. Um nojo. Parem de reclamar, de uma vez por todas, do Engenhão, aquele luxo que tem até Bob's. Preferi não fotografar. Evita (com trocadilho). A não ser que não haja outro jeito. No nosso caso, a fome já urrava e tínhamos abstraído de ver o jogo, tamanha a confusão para olhar só um pedacinho do campo. Resolvemos relaxar e nos divertir, apesar do odor forte de mijo que subia pelas escadas logo atrás de nós. O Maraca dos velhos, velhos tempos.
Quando o time entra em campo, eles cantam uma musiquinha bem simpática, a minha preferida:
Todos cantam, pulam, se abraçam e jogam jornal picado para o alto com o braço que sobra naquele aperto. O mesmo braço que eles sacodem de vez em quando, para empurrar o time na base do "dale, dale ô". Bem menos do que eu achava que acontecia, diga-se de passagem... Enfim, a hinchada é uma lenda. Talvez, só a richa entre os dois clubes seja comparável a um Flamengo x Vasco, porque o espetáculo de um Fla x Flu é bem mais interessante, dentro e fora de campo. A partida, que terminou 2 x 0 pro Boca, foi bem um peladón. Acabou que conseguimos nos colocar melhor dentro do estádio e vimos a partida até com um certo conforto, diante do que tínhamos passado. Valeu a experiência pela história. Afinal, vimos o último derby do Palermo na Bombonera. Com direito a gol de despedida. Sair do estádio eram outros 500...
Quando faltava cinco minutos para o fim da partida, tentamos subir novamente, para encontrar o resto da galera. Não pudemos. Já havia um cordão policial de isolamento da área. Descobrimos, da pior maneira possível, que o escoamento do estádio é feito por setor. E onde estávamos era o último a ser liberado. Foi um jogo de três tempos, porque ficamos bem uns 50 minutos mais, paradinhos da silva, esperando a Bombonera esvaziar para sair. O espantoso é que ficam todos quietos, parados, sem pressa. Esperam com ordem. Incredible. Algo impossível de se ver por aqui. Pelo menos a curto e médio prazo. Náááá... longo também.
Fechamos a viagem na raça. Gastei milhas acumuladas, pesquisei um hotel bem localizado para batermos perna, pedi orientações de alguns amigos que já tinham ido à capital argentina e vambuera! Foi mais ou menos assim. A sorte grande eu tirei quando vi o calendário do torneo de fútbol: era o fim de semana de derby.
Assistir a um Boca x River era mais do que eu sonhara, era mais do que eu pedira um dia. Era realidade. Uma realidade que custava, megaoficialmente, US$ 500 por cabeça, a tal da Boca Experience que se vende no site do clube portenho, com tour no museu, transfer para o estádio e bilhetes para a partida. Dava R$ 1.750,00 para realizar um sonho. Tá certo que sonho não tem preço, mas isso já era um pouco demais, né não? Pergunta daqui, indaga dali, vamos na cara e na coragem que dá para encontrar algo mais em conta. Ficou caro, é claro, mas nada comparável ao valor inicial. Fechamos pacote com uma agência na Florida. Francisco, o sujeito que nos vendeu, é noivo de uma brasileira. Tudo em casa. Com transfer, bilhete e uma camisa, além da promessa de nos transformar em um verdadeiro incha por um dia.
Meu dia de xeneize começou de véspera, com um passeio pela Bombonera adormecida. É um estádio comparável a São Januário, em vários sentidos. Mas tem um museu. Acho, inclusive, que muita coisa que vi no Museu do Futebol, no Pacaembu, em abril, foi copiado de lá. Coincidências demais me deixam desconfiadíssima. Sempre. Mas é bom deixar claro também que fomos a la cancha depois de um almoço regado a empanadas, tango e vinho. Cheguei lá bem zonza. A outra grande coincidência é que a data de fundação do estádio é a mesma do nome da rua do hotel onde ficamos: 25 de mayo (leiam bentecénco de májo, porfa!). Enfim, como todo museu, a lojinha mete a mão nos produtos oficiais e, por isso, saímos de lá com pequenas bugigangas tipo chaveiros, ímã de geladeira e... só isso. A camisa do Boca viria no day after, o Dia D, em que eu conheceria La Bombonera mais que oficialmente. Pelo menos era o que eu achava...
Chegamos no local e hora marcados e logo nos apresentamos a Chonatan (Jonathan), o nosso guia que, descobrimos rapidamente, era um brasileiro fanfarrão que se dizia portenho por escolha. Fazer o quê, né. Como os bons se atraem, logo encontramos rubro-negros no grupo, que nem era tão grande assim. O ônibus, infelizmente, não fizemos foto. Parecia ter saído de um filme noir. Apelidamos prontamente de bonde do Boca sem freio. E lá fomos ouvindo o blablablá de Chonatan em português, castelhano e inglês. Muita historinha para reproduzir aqui. O imprescindível é vocês saberem que antes de descermos do ônibus ele mandou um "Fiquem comigo, sigam-me, eu amo vocês!".
Seguimos ordenadamente pela Brandsen. Não só o grupo, mas TODOS ordenadamente. Um incha ou outro começava a cantar, entendíamos pouca coisa, Chonatan não tinha paciência de ensinar. Seguimos pela Bandsen, passando por dois portões de contenção policial, se é que podemos chamar assim, onde bastava mostrar o bilhete para ter passagem livre. Só na entrada do estádio tinha a revista. É um pente fino. Você não vê ninguém de bolsa, mochila ou afins. Ninguém. Quem fuma tem que esconder o isqueiro dentro do tênis, ou fica sem. Eles prendem qualquer objeto arremessável. E mulheres também são apalpadas. Por policiais femininas, obviamente. Subimos para descobrir que nosso ingresso dava acesso ao segundo nível da arquibancada. Bem embaixo da torcida do River e de frente para La Doze, a tal que faz o espetáculo. Foi aí que descobrimos que da Bombonera para dentro as propriedades fundamentais da matéria, segundo a física, são simplesmente ignoradas.
O Estadio Alberto J. Armando tem capacidade para 49 mil espectadores. Sua inauguração foi em 1940, em um amistoso com o San Lorenzo, clube que revelaria décadas depois, um ídolo rubro-negro, Doval - cuja camisa autografada tivemos o prazer de encontrar por um completo acaso, dentro de uma loja perdida nas cercanias da Florida, a avenida das compras em Buenos Aires. Sem mais divagações, o fato é que no último dia 15 de mayo havia bem, mas bem mais que 49 mil pessoas espremidas dentro daquele caixote de bombons. E como se não bastasse estar botando gente pelo ladrón, a gente en la cancha desconhece, oficialmente, a existência daquela teoria básica que resultou nas três leis de Newton: Dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo. Para os xineizes, uma balela.
Nosso querido guia Chonatan chegou lá no topo da arquiba, escolheu uma fresta ao lado de uma pilastra e balançou a mão em sinal para que o seguíssemos. Por onde? Pelo meio da multidão que já ocupava boa parte das escadinhas abaho. E quando eu falo em multidão, eu quero dizer multidão MESMO. Pense no Cordão da Bola Preta no sábado de Carnaval, por volta das 11h30 da manhã, na Cinelândia. Multiplica por três. É pior. E o sujeito embicou naquela fresta que ele mesmo criou e sumiu lá para baixo. Tentamos ir atrás. Juro que tentamos. Mas não consegui descer mais do que dois degraus. Paramos ali do lado da pilastra mesmo. Não dava para ver La Doze, mas, atrás do gol, víamos o campo inteirinho. E atrás de nós tinha só mais uma fila de pessoas.
Em cinco minutos eles se multiplicam. Parecem gremlins. Alguns, alimentados após a meia-noite, porque mesmo sendo impossível, eles forçam a entrada. O negócio é ir abaho. Que saco. Fui imprensada entre a pilastra e uma outra garota que estava de pé do meu lado. Pensei que ia morrer ali mesmo. Quando o ar faltou de verdade, pedi penico. O Márcio já estava todo torto atrás de mim, sofrendo também com o pai e duas crianças que se acotovelavam naquele espaço mínimo. Saímos. Foi um novo parto. E aí foi mais uma ducha de realidade...
Decidimos comer. Fomos de chori y coca. Ver a situação nada higiênica da lanchonete foi de dar dó. Um nojo. Parem de reclamar, de uma vez por todas, do Engenhão, aquele luxo que tem até Bob's. Preferi não fotografar. Evita (com trocadilho). A não ser que não haja outro jeito. No nosso caso, a fome já urrava e tínhamos abstraído de ver o jogo, tamanha a confusão para olhar só um pedacinho do campo. Resolvemos relaxar e nos divertir, apesar do odor forte de mijo que subia pelas escadas logo atrás de nós. O Maraca dos velhos, velhos tempos.
Quando o time entra em campo, eles cantam uma musiquinha bem simpática, a minha preferida:
Boca, mi buen amigo
esta campaña
volveremo a estar contigo,
te alentaremo de corazón,
esta es tu hinchada que te quiere ver campeón,
no me importa lo que digan,
lo que digan los demas,
yo te sigo a toda parte
cada vez te quiero mas
Todos cantam, pulam, se abraçam e jogam jornal picado para o alto com o braço que sobra naquele aperto. O mesmo braço que eles sacodem de vez em quando, para empurrar o time na base do "dale, dale ô". Bem menos do que eu achava que acontecia, diga-se de passagem... Enfim, a hinchada é uma lenda. Talvez, só a richa entre os dois clubes seja comparável a um Flamengo x Vasco, porque o espetáculo de um Fla x Flu é bem mais interessante, dentro e fora de campo. A partida, que terminou 2 x 0 pro Boca, foi bem um peladón. Acabou que conseguimos nos colocar melhor dentro do estádio e vimos a partida até com um certo conforto, diante do que tínhamos passado. Valeu a experiência pela história. Afinal, vimos o último derby do Palermo na Bombonera. Com direito a gol de despedida. Sair do estádio eram outros 500...
Quando faltava cinco minutos para o fim da partida, tentamos subir novamente, para encontrar o resto da galera. Não pudemos. Já havia um cordão policial de isolamento da área. Descobrimos, da pior maneira possível, que o escoamento do estádio é feito por setor. E onde estávamos era o último a ser liberado. Foi um jogo de três tempos, porque ficamos bem uns 50 minutos mais, paradinhos da silva, esperando a Bombonera esvaziar para sair. O espantoso é que ficam todos quietos, parados, sem pressa. Esperam com ordem. Incredible. Algo impossível de se ver por aqui. Pelo menos a curto e médio prazo. Náááá... longo também.
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